sábado, 27 de fevereiro de 2010

Parte III- Cúmplices



Sete horas. Acorda filha.
Era sua mãe que a chamava como fazia todos os dias.
À vontade Marta era ficar na cama o dia todo. Seu corpo estava todo dolorido e algumas partes estavam bem mais que doloridas. Estavam inchadas. Tinha vergões enormes na bunda. Seus seios doíam como estivesse em período de menstruação. Sua boceta inchada não lhe permitia usar calças compridas, contudo, algumas chicotadas marcaram suas pernas.
Ah! Se pudesse ficar na cama.
Sabia, entretanto que não podia, assim, foi até o guarda-roupa e escolheu uma saia preta que ia até os tornozelos que ela usaria com botas.
O clima ameno lhe permitiria colocar uma blusa de gola alta. Um cinto largo completaria o visual deixando-a bem feminina.
Tomou um banho, vestiu-se com dificuldade e foi para a sala tomar café. Como normalmente não sentava neste horário, pois estava sempre perdendo hora, aproveitou para simular pressa e sair rapidamente de casa.
Já estava de saída quando a campainha tocou. Abriu a porta e encontrou o entregador de flores que perguntou: Marta Maria Dias de Vasconcelos? Ela respondeu, sou eu.
Ele lhe entregou as flores. Ela lhe deu uma gorjeta e voltou para ler o cartão e colocar as flores no jarro.
“Que você tenha um lindo dia”
Ela não sabia o que pensar. Quem a visse receber um ramalhete de flores como aquele naquela hora da manhã, sem dúvida ia pensar num namorado apaixonado e carinhoso. Ela estava ali, toda dolorida em conseqüência do ultimo encontro, perguntando a si mesma qual o papel que aquele homem exercia na sua vida.
Acomodou as flores, voltou para o carro e foi para o trabalho.
Quando chegou, seus amigos a cumprimentaram pela beleza do visual. Interiormente ela sorriu.
Se eles soubessem por que ela estava com aquela roupa! Pelo menos isso, disse consigo mesma.
A melhor coisa a fazer e meter a cara no trabalho pensou. E foi isso que fez. Tudo que estava atrasado na sua gaveta, ela conseguiu despachar naquele dia, mas sentia-se triste.
Tânia notou que Marta estava diferente. Chamou-a do lado e perguntou:
Você não quer conversar comigo? Afinal de contas, os nossos problemas, não podem ser divididos com qualquer pessoa.
Marta aceitou e marcaram de tomar um café depois do expediente.
Estava tentando entender o que estava acontecendo na sua vida.
Dezoito horas e todos já tinham desligado os computadores e trancado suas gavetas.
Marta demorou-se um pouco mais. Depois, levantou-se devagar e acenou para Tânia, visto que iam tomar um café depois do expediente.
Tânia chegou primeiro no bar e logo em seguida, Marta parava seu carro.
Pediram uma laranjada e durante algum tempo, nenhuma das duas falou coisa alguma. Depois, Marta levantando a cabeça falou: Eu queria apenas entender.
Eu sei o que você esta sofrendo, pois também passei por isso quando ele entrou em minha vida. Aliás, de certa forma, me sinto responsável por ele estar também na sua vida.
Marta olhou espantada.
É verdade, disse Tânia. Um dia, comentei com Pedro o que vocês falavam toda sexta feira quando eu me negava a ir tomar o chope com a turma. Falei também que você era muito legal e a que mais ficava indignada com a minha submissão.
Tudo bem que o destino contribuiu quando você bateu o carro com aqueles adolescentes e ele te ajudou.
Às vezes, acho que o destino nos prega peças que não conseguimos evitar.
Marta começou a chorar e começou a contar no que se transformou a sua vida, depois que Pedro passou a fazer parte dela.
Contou da ultima surra por causa do celular e Tânia disse que já tinha vivido aquela mesma situação.
Mas você esta sempre tão tranqüila. Como não consigo ficar como você?
Tânia então lhe explicou que submissão é um processo. No início, o ato de se submeter lhe traz raiva quanto mais independente você for. Depois, se sentirá tão ligada a ele que jamais passará pela sua cabeça a possibilidade de desobedecer.
Vocês estão juntos há alguns meses apenas. Sua parte rebelde não quer abrir mão de sua independência. Com o passar do tempo, seu lado rebelde será totalmente dominado e aí sim, encontrarás a paz que tanto sonha.
De repente tocou o celular de Tânia. Ela sorriu. Era ele, perguntando se Marta estava mais calma.
Então ele sabia perguntou ela.
Ele sempre sabe de tudo, respondeu Tânia, mas não se preocupe, sabia também que você precisava desabafar e que só eu, podia lhe oferecer um ombro amigo. Mais do que amigos, disse ela rindo, irmãos, pois somos irmãs de coleira.
Outra coisa que não entendo é essa necessidade de coleira. De nos compararmos com cadelas. É como se não prestássemos e eles ficassem nos lembrando isso todos os dias.
Não é verdade, disse Tânia. O cachorro é o melhor amigo do homem. Uma cadela é completamente fiel.
Infelizmente, as pessoas não sabem usar este termo adequadamente e cadela passa a ser um xingamento, quando na verdade deveria ser um elogio. Quando seu dono lhe chama de cadela, ele esta dizendo que confia na sua honestidade.
Não tenha medo do vai ao seu coração. Ele sabe exatamente o que esta sentindo. Essa mistura de ódio e amor que ao mesmo tempo em que quer matá-lo, o quer bem perto de você.
A raiva que sente quando ele liga e dá uma ordem e o desespero que fica quando ele não liga.
Mas ele não fica ligando todo dia para você para dar ordens.
Isso porque ele já sabe o que representa na minha vida. Ele sabe que não precisa me bater mais para que eu o obedeça, contudo, se quiser bater assim mesmo, vou aceitar e agradecer.
É que você não prestava tanto atenção em mim no inicio da minha vida profissional. Não sei quantas vezes eu coloquei a borboletinha e gozei no banheiro do escritório assim como você. Só que não fui esperta o suficiente para entrar no banheiro sempre com o som ligado, para disfarçar qualquer barulho, disse sorrindo.
Até isso você percebeu, disse Marta? Será que os outros também perceberam?
Claro que não, disse ela. Eu sei por que navegamos no mesmo barco e eu já conheço os balanços dele em alto mar.
Tenho medo de ficar marcada e minha família perceber essas marcas.
Não tenha medo. Ele jamais fará isso. Também jamais lhe dará uma ordem que você não possa cumprir. E se acontecer isso um dia, e a ordem dele não for cumprida, explique para ele sem fazer cena. Ele entenderá.
Marta agora esta mais tranqüila. Quando levantou para sair do bar, seu telefone tocou.
Seus olhos encontraram imediatamente os de Tânia que lhe disse apenas:
Atenda. Quando ouviu a voz de Pedro perguntando como estava, por um momento se esqueceu porque ela estava daquela maneira e respondeu com um sorriso no rosto. Agora estou muito bem.
Você tem um lindo sorriso, ele disse.
Onde você está? Pode me ver?
Não, ele disse. Mas posso te sentir. Vá para casa e descanse.
Voltou-se para Tânia e disse: Precisamos sair mais vezes. Mas antes de irmos embora tenho que fazer mais uma pergunta.
Você sabe o que existe entre Pedro e eu. Não senti ciúmes?
Tânia sorriu.
De quem é o vento? Ele refresca todas as pessoas, bate em todos os rostos, mas não é de ninguém.
Você já imaginou se alguém quisesse prender o vento.
Algumas pessoas são assim Marta. Elas nunca serão de ninguém. Quando passa em algumas vidas, as vezes, é como um furacão arrancando arvores, derrubando casas. Outras vezes, ele é ameno. Toca no seu rosto com uma brisa leve. Como a fazer carinhos.
Cabe a você saber qual é a intensidade do vento que queres na sua vida. Seja qual for a sua decisão, tome posse dela e a viva em sua plenitude.
Quanto a sairmos de novo, que tal semana que vem?Véspera do feriado? Podíamos jantar juntas. Pedro não estará na cidade e assim não ficaremos sozinhas.
Marcado então. Vejo-te amanhã no escritório.

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